Para responder por que a desigualdade e a exploração são inerentes ao capitalismo, resolvi esboçar de forma simplificada a teoria do valor de Marx, a única teoria capaz de descrever de forma coerente os mecanismos internos de funcionamento desse sistema.
"A riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma imensa coleção de mercadorias." As mercadorias, para serem produzidas e trocadas, necessitam possuir um valor de uso, ou seja, propriedades que atendam às necessidades biológicas ou espirituais do ser humano. Mas o termo mercadoria só faz sentido se pensarmos que esse ser é trocado em algum mercado. Para que exista o intercâmbio de mercadorias, é preciso que, além de ser útil em alguma medida, a mercadoria possua um valor de troca. Enquanto o valor de uso é uma propriedade qualitativa, o valor de troca é uma relação quantitativa, ou seja, a proporção em que os valores de uso de diferentes espécies se trocam. Os dois momentos da mercadoria formam uma unidade dialética interna. Quando prepondera o valor de uso, não pode ser valor de troca e vice-versa. Mas o que faz diferentes mercadorias serem trocadas, a despeito de suas diferenças físicas, de quantidade e de uso? Qual a unidade de comparação que diz que um par de sapatos equivale a um casaco? A substância que está contida em toda mercadoria, que se iguala às demais no momento da troca, é o valor. Na essência da mercadoria, no plano de análise mais abstrato, a unidade dialética é dada pela contradição entre valor e valor de uso.
Mas o que é o valor? Se todas as mercadorias são fruto do trabalho humano (tente pensar em uma que não seja), a única substância capaz de igualá-las no momento da troca é o valor enquanto quantidade de trabalho abstrato, indiferenciado, contido na mercadoria. Aí surgem mais duas categorias: trabalho abstrato e trabalho concreto. O segundo é o trabalho enquanto propriedade específica de criar objetos específicos, por exemplo, uma mesa. O primeiro é o trabalho como quantidade de dispêndio de energia humana (seja ela qual for) na construção de um objeto qualquer. A mesa é trabalho específico do marceneiro, mas ao mesmo tempo é trabalho abstrato do trabalhor humano em geral. O valor de cada mercadoria é dado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para fabricá-la, ou seja, a média de tempo em que uma sociedade com dado padrão tecnológico produz um objeto para troca.
Para construir uma mesa, o marceneiro precisa de ferramentas. As ferramentas não se esgotam a cada vez que uma mesa é feita. Elas são produzidas em um tempo anterior e, como mercadorias, também são dotadas de valor. Ao fabricar a mesa, o marceneiro, portanto, emprega trabalho vivo, o seu próprio esforço, e trabalho morto, aquele contido nas ferramentas e que já foi criado no passado. O valor final da mesa é a soma do trabalho novo (vivo) criado no processo de trabalho com o trabalho passado (morto) que foi transferido pelo desgaste das ferramentas utilizadas.
Agora pensem numa grande indústria capitalista e toda sua potência geradora de mercadorias. Ou mesmo numa pequena fábrica cujo dono contrate alguns funcionários para trabalhar para ele. O proprietário do negócio contrata força de trabalho e compra as máquinas e matérias-primas para que sejam produzidas mercadorias. Isso faz dele o capitalista. O trabalhador vende sua força de trabalho e utiliza o trabalho morto contido nas máquinas e ferramentas para, com seu trabalho vivo, criar valor novo e, como produto final, apresentar uma mercadoria que contenha mais valor do que a soma original de valor das máquinas e matérias-primas, antes de ingressarem no processo de trabalho. Portanto, o valor de uma mercadoria é dado pela parte constante (trabalho morto, oriundo do desgaste das máquinas e matérias-primas que foi transferido para o produto final) e pela parte variável (aquela que foi acrescida pelo trabalho humano desempenhado no processo de produção).
A peculiaridade do modo de produção capitalista é que a força de trabalho também foi transformada em mercadoria. Como tal, tem um valor de uso: criar novas mercadorias; e um valor: o tempo de trabalho socialmente necessário para que ele exista. Mas qual é o tempo de trabalho socialmente necessário da mercadoria força de trabalho? É o conjunto de meios de subsistência necessários para a sua existência e reprodução social. Assumindo que todas as mercadorias são trocadas pelo seu valor exato (ou seja, não se vende uma mercadoria abaixo do seu valor), o valor da força de trabalho é representado pelo salário que o patrão paga ao trabalhador. Mas aí está o busílis. A mercadoria força de trabalho possui uma propriedade especial e exclusiva, que é a de criar valor novo. A quantidade de valor novo criada pela força de trabalho em operação independe do valor próprio da força de trabalho. Por isso, o capitalista paga ao trabalhador o valor de sua força de trabalho (o socialmente necessário à sua reprodução) e se apropria do valor novo por ela criado no processo produtivo. A questão é que o valor novo criado e consubstanciado na mercadoria é superior ao valor próprio da força de trabalho, aquele necessário para sua reprodução. Dito novamente, o capitalista paga o valor da força de trabalho, mas se apropria do valor por ela criado. Depois do processo de trabalho, portanto, a mercadoria final será trocada pela soma de valor transferido (das máquinas e matérias-primas ao produto final por meio do seu consumo produtivo) mais o valor novo criado (pela força de trabalho, que é remunerada através do salário). Mas vimos que o valor novo criado pelo trabalhador é superior ao valor da força de trabalho. Logo, parte do valor criado repõe o custo da força de trabalho (paga pelo capitalista em forma de salário), mas outra parte excede esse valor, sobra. Essa parte excedente é chamada de mais-valia.
A mercadoria final será trocada por outras mercadorias pelo valor total contido nela. Qual é esse valor? A soma de valor transferido (máquinas e matérias-primas) + parte do valor novo (que repõe o valor da força de trabalho na forma salário) + a outra parte do valor novo (excedente sobre o valor da força de trabalho), que é a mais-valia, fruto do trabalho que excede o necessário para a simples manutenção da força de trabalho e que não é pago ao trabalhador, mas apropriado pelo capitalista. É com essa diferença, a mais-valia, que o capitalista pode acumular riqueza, investir na produção e contratar mais força de trabalho para obter mais mais-valia. E assim sucessivamente.
É claro que a descrição acima é extremamente sumarizada e não leva em conta a infinidade de fatores que se interpõem entre o processo abstrato e o processo real concreto. Além disso, a complexificação das relações de trabalho gera uma série de novas mediações que só podem ser incorporadas mediante a análise concreta desses processos. De qualquer forma, pode-se ver que, em sua essência, o modo de produção capitalista gera riqueza abundante tendo como base exploração do trabalhador e apropriação de trabalho não pago.