domingo, 27 de setembro de 2009

Ponte


Foto tirada pelo Danillo, meu irmão.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

À la recherche du professeur perdu

Alguns episódios recentes me fizeram recordar um professor do qual não tenho notícias há algum tempo. Ele é aquele professor do primeiro semestre da faculdade que por alguns meses nos faz acreditar que nossos sonhos de justiça podem se tornar realidade, que não há apenas um caminho a seguir e que nosso esforço maior deve ser o de levantar a cabeça acima da manada. Mas nem todos foram cativados por ele. Personagem de muitas lendas na universidade, seu rigor e severidade eram tão grandes que a maioria dos alunos, para falar a verdade, preferiria não tê-lo encontrado. Mais da metade da classe sempre era reprovada ao final do período e muito poucos conseguiam compreender ou sentir-se tocados pela sua maneira de lidar com a turma.

Mesmo não pertencendo ao seleto grupo de alunos que teve afeição por ele desde o início, nunca rejeitei a figura do professor radical que nos obrigou a ler textos mais densos que as nossas jovens mentes imaturas podiam enfrentar. Sempre admirei sua inteligência e, no fundo, queria saber o que ele sabia. Sozinho no canto do corredor, pernas cruzadas, envolto na fumaça de um cigarro que tragava todas as tardes de segunda-feira antes de entrar pontualmente em sala, ele tinha uma aura desafiadora e intocável, mas que nos forçava a ter mais maturidade diante das coisas da vida. A palavra "realidade" estava no nome da matéria oferecida por ele. Nela, tive a glória de ser reprovado com uma nota inglória, fato inédito na minha trajetória de bom aluno. Com a reprovação entalada na garganta, esperei mais um ano para cursar novamente a mesma disciplina com ele, ao contrário do que fazia a maioria dos alunos, que buscavam um outro professor bem menos severo para cumprir o curso, obrigatório, em horário alternativo.

Na segunda passagem pela matéria, fui aprovado com boa nota e desenvolvi um carinho especial pelo professor. Vários foram os comentários memoráveis que, ao longo do curso, tive a sorte de ouvir. Um deles, que nunca esqueço, foi uma confissão disfarçada de conselho. Lembro que ele falou, em tom solene, que a melhor coisa da juventude é a descoberta do amor. Foi uma cena inusitada, já que suas aulas, sempre recheadas de ensinamentos filosóficos, políticos e partidários, nunca enveredavam pela via das especulações sentimentais. Na continuação do argumento, ele disse que o melhor que poderíamos fazer com a idade que tínhamos seria nos apaixonarmos e passarmos três semanas trancado num quarto fazendo amor com alguém especial. O que ele não disse, mas eu imaginei, foi que essas seriam três semanas sem comer e sem beber, sendo a seiva bruta da paixão o único alimento. Hoje, não consigo dissociar esse conselho de duas sensações marcantes: as linhas colombianas de Gabriel Garcia Márquez e o calor de verão do Rio de Janeiro.

Na ocasião, não pensei que, ao dizer aquilo, ele pudesse estar se referindo à sua própria juventude, a um amor passado. Só hoje percebo que esse conselho foi, de fato, parte de sua história. Digo isso com a certeza de ter conhecido há pouco tempo a mulher que, anos atrás, lacrou-o naquele paraíso quente, escuro e com cheiro molhado de vida. O mais incrível é que, diante dela, entendi perfeitamente seu conselho-confissão e tive a certeza de que eu teria feito a mesma coisa no seu lugar, tivesse nascido algumas décadas antes. Na época em que convivemos, professor e aluno, raras vezes ele deixou transparecer o romântico utópico que deve ter sido quando jovem. Sei pouco sobre sua vida. Escreveu um livro que ninguém entendeu, outro que ninguém por aqui leu e cultivou uma amargura difícil de penetrar, fazendo da afeição por ele uma missão quase impossível. Naquela história sobre o amor juvenil que só deduzi muito tempo depois, imaginei que reside a explicação para o comportamento tão duro que ele demonstrava em sala. Senti-me assustado por reconhecer no amor alheio a desgraça que pode se tornar um amor perdido.

Soube que se aposentou e dizem que está desaparecido. Desaparecido pode ser uma palavra forte. É possível que ele apenas esteja recolhido em alguma biblioteca escura envolto em pensamentos que não pode externar e dos quais não consegue se libertar. Ou talvez tenha migrado para terras Cisplatinas e esteja ajudando um outro rapaz latino-americano a compor suas canções, sem querer ser incomodado. O fato é que ele marcou uma época para aqueles que conseguiram ver no seu olhar desalentado uma centelha da esperança e do amor que, outrora, certamente, sentiu. Pois só quem nutriu sentimentos assim pode falar o que ele falou.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Enquanto o sono não vem

Busco pistas de quem sou nos poemas de outros enquanto procuro meu próprio poema. Será que essa busca um dia terá termo? Não creio. Apenas, talvez, quando eu mesmo chegar ao fim. Mas até lá serão perguntas, muitas perguntas sem repostas.

Há alguns anos acordei com uns versos que considero dignos de Pessoa. Se estivessem entre duas de suas estrofes é possível que ninguém se apercebesse que fui eu quem os fez. No entanto, é uma estrofe apenas, não passa disso. Não prossegue em nada e é continuação de coisa alguma. Não me julgo capaz de fazer mais de uma estrofe à la Pessoa. Esporadicamente, pego-me diante dos tais versos e tento fazer deles um poema completo. Mas, literalmente, a emenda sai pior que o soneto. Para não estragar meus únicos versos dignos de Pessoa, deixo-os como estão, incompletos. Ao menos assim refletem o espírito do seu criador.

sábado, 5 de setembro de 2009

Linaje

No soy tigre de tigresas
Aunque sean encantadoras
No las dedicaria una vida
Soy perro de linajes muy antiguas
Mezclado de todas las razas
De todos los animales
De la naturaleza

Dádiva o maldición
Lo que sé es que me acompaña
En mi cruce solo
Y muchas vezes es lo único que veo
Ese elemento
Que está en mí como yo soy yo

Creo que lo heredé de los más lejos instintos primitivos de los animales que ya fueran irracionales, cuando no habia nada, pero en la inminencia de haberlo. Todavia hoy, mismo pensando todo el tiempo y reflejando sobre todo y sobre él mismo, no logro entenderle, tampoco podría superarle si lo quisiera. Es una mezcla de dignidad, respeto, justicia, fe y esperanza, pero no se parece exatamente con nada de eso. Subsiste siempre, es inquebrantable, y no existe un momento del día en que no tengo consciencia de eso. Es posible que se tenga perdido en las miles de estirpes de hombres que venieron después de los primeros ancestrales, o que solo tengan sobrevivido muy pocos con él, pero se encuentró en mí de manera que ahora sientome lobo y perro al mismo tiempo. Aunque parezca chiste, creo que, así como si fuera rey, seria "El Justo", o si fuera caballero andante, seria "El Fiel", si fuera un personaje inmortal, yo seria "El Florentino".