Alguns episódios recentes me fizeram recordar um professor do qual não tenho notícias há algum tempo. Ele é aquele professor do primeiro semestre da faculdade que por alguns meses nos faz acreditar que nossos sonhos de justiça podem se tornar realidade, que não há apenas um caminho a seguir e que nosso esforço maior deve ser o de levantar a cabeça acima da manada. Mas nem todos foram cativados por ele. Personagem de muitas lendas na universidade, seu rigor e severidade eram tão grandes que a maioria dos alunos, para falar a verdade, preferiria não tê-lo encontrado. Mais da metade da classe sempre era reprovada ao final do período e muito poucos conseguiam compreender ou sentir-se tocados pela sua maneira de lidar com a turma.
Mesmo não pertencendo ao seleto grupo de alunos que teve afeição por ele desde o início, nunca rejeitei a figura do professor radical que nos obrigou a ler textos mais densos que as nossas jovens mentes imaturas podiam enfrentar. Sempre admirei sua inteligência e, no fundo, queria saber o que ele sabia. Sozinho no canto do corredor, pernas cruzadas, envolto na fumaça de um cigarro que tragava todas as tardes de segunda-feira antes de entrar pontualmente em sala, ele tinha uma aura desafiadora e intocável, mas que nos forçava a ter mais maturidade diante das coisas da vida. A palavra "realidade" estava no nome da matéria oferecida por ele. Nela, tive a glória de ser reprovado com uma nota inglória, fato inédito na minha trajetória de bom aluno. Com a reprovação entalada na garganta, esperei mais um ano para cursar novamente a mesma disciplina com ele, ao contrário do que fazia a maioria dos alunos, que buscavam um outro professor bem menos severo para cumprir o curso, obrigatório, em horário alternativo.
Na segunda passagem pela matéria, fui aprovado com boa nota e desenvolvi um carinho especial pelo professor. Vários foram os comentários memoráveis que, ao longo do curso, tive a sorte de ouvir. Um deles, que nunca esqueço, foi uma confissão disfarçada de conselho. Lembro que ele falou, em tom solene, que a melhor coisa da juventude é a descoberta do amor. Foi uma cena inusitada, já que suas aulas, sempre recheadas de ensinamentos filosóficos, políticos e partidários, nunca enveredavam pela via das especulações sentimentais. Na continuação do argumento, ele disse que o melhor que poderíamos fazer com a idade que tínhamos seria nos apaixonarmos e passarmos três semanas trancado num quarto fazendo amor com alguém especial. O que ele não disse, mas eu imaginei, foi que essas seriam três semanas sem comer e sem beber, sendo a seiva bruta da paixão o único alimento. Hoje, não consigo dissociar esse conselho de duas sensações marcantes: as linhas colombianas de Gabriel Garcia Márquez e o calor de verão do Rio de Janeiro.
Na ocasião, não pensei que, ao dizer aquilo, ele pudesse estar se referindo à sua própria juventude, a um amor passado. Só hoje percebo que esse conselho foi, de fato, parte de sua história. Digo isso com a certeza de ter conhecido há pouco tempo a mulher que, anos atrás, lacrou-o naquele paraíso quente, escuro e com cheiro molhado de vida. O mais incrível é que, diante dela, entendi perfeitamente seu conselho-confissão e tive a certeza de que eu teria feito a mesma coisa no seu lugar, tivesse nascido algumas décadas antes. Na época em que convivemos, professor e aluno, raras vezes ele deixou transparecer o romântico utópico que deve ter sido quando jovem. Sei pouco sobre sua vida. Escreveu um livro que ninguém entendeu, outro que ninguém por aqui leu e cultivou uma amargura difícil de penetrar, fazendo da afeição por ele uma missão quase impossível. Naquela história sobre o amor juvenil que só deduzi muito tempo depois, imaginei que reside a explicação para o comportamento tão duro que ele demonstrava em sala. Senti-me assustado por reconhecer no amor alheio a desgraça que pode se tornar um amor perdido.
Soube que se aposentou e dizem que está desaparecido. Desaparecido pode ser uma palavra forte. É possível que ele apenas esteja recolhido em alguma biblioteca escura envolto em pensamentos que não pode externar e dos quais não consegue se libertar. Ou talvez tenha migrado para terras Cisplatinas e esteja ajudando um outro rapaz latino-americano a compor suas canções, sem querer ser incomodado. O fato é que ele marcou uma época para aqueles que conseguiram ver no seu olhar desalentado uma centelha da esperança e do amor que, outrora, certamente, sentiu. Pois só quem nutriu sentimentos assim pode falar o que ele falou.
Mesmo não pertencendo ao seleto grupo de alunos que teve afeição por ele desde o início, nunca rejeitei a figura do professor radical que nos obrigou a ler textos mais densos que as nossas jovens mentes imaturas podiam enfrentar. Sempre admirei sua inteligência e, no fundo, queria saber o que ele sabia. Sozinho no canto do corredor, pernas cruzadas, envolto na fumaça de um cigarro que tragava todas as tardes de segunda-feira antes de entrar pontualmente em sala, ele tinha uma aura desafiadora e intocável, mas que nos forçava a ter mais maturidade diante das coisas da vida. A palavra "realidade" estava no nome da matéria oferecida por ele. Nela, tive a glória de ser reprovado com uma nota inglória, fato inédito na minha trajetória de bom aluno. Com a reprovação entalada na garganta, esperei mais um ano para cursar novamente a mesma disciplina com ele, ao contrário do que fazia a maioria dos alunos, que buscavam um outro professor bem menos severo para cumprir o curso, obrigatório, em horário alternativo.
Na segunda passagem pela matéria, fui aprovado com boa nota e desenvolvi um carinho especial pelo professor. Vários foram os comentários memoráveis que, ao longo do curso, tive a sorte de ouvir. Um deles, que nunca esqueço, foi uma confissão disfarçada de conselho. Lembro que ele falou, em tom solene, que a melhor coisa da juventude é a descoberta do amor. Foi uma cena inusitada, já que suas aulas, sempre recheadas de ensinamentos filosóficos, políticos e partidários, nunca enveredavam pela via das especulações sentimentais. Na continuação do argumento, ele disse que o melhor que poderíamos fazer com a idade que tínhamos seria nos apaixonarmos e passarmos três semanas trancado num quarto fazendo amor com alguém especial. O que ele não disse, mas eu imaginei, foi que essas seriam três semanas sem comer e sem beber, sendo a seiva bruta da paixão o único alimento. Hoje, não consigo dissociar esse conselho de duas sensações marcantes: as linhas colombianas de Gabriel Garcia Márquez e o calor de verão do Rio de Janeiro.
Na ocasião, não pensei que, ao dizer aquilo, ele pudesse estar se referindo à sua própria juventude, a um amor passado. Só hoje percebo que esse conselho foi, de fato, parte de sua história. Digo isso com a certeza de ter conhecido há pouco tempo a mulher que, anos atrás, lacrou-o naquele paraíso quente, escuro e com cheiro molhado de vida. O mais incrível é que, diante dela, entendi perfeitamente seu conselho-confissão e tive a certeza de que eu teria feito a mesma coisa no seu lugar, tivesse nascido algumas décadas antes. Na época em que convivemos, professor e aluno, raras vezes ele deixou transparecer o romântico utópico que deve ter sido quando jovem. Sei pouco sobre sua vida. Escreveu um livro que ninguém entendeu, outro que ninguém por aqui leu e cultivou uma amargura difícil de penetrar, fazendo da afeição por ele uma missão quase impossível. Naquela história sobre o amor juvenil que só deduzi muito tempo depois, imaginei que reside a explicação para o comportamento tão duro que ele demonstrava em sala. Senti-me assustado por reconhecer no amor alheio a desgraça que pode se tornar um amor perdido.
Soube que se aposentou e dizem que está desaparecido. Desaparecido pode ser uma palavra forte. É possível que ele apenas esteja recolhido em alguma biblioteca escura envolto em pensamentos que não pode externar e dos quais não consegue se libertar. Ou talvez tenha migrado para terras Cisplatinas e esteja ajudando um outro rapaz latino-americano a compor suas canções, sem querer ser incomodado. O fato é que ele marcou uma época para aqueles que conseguiram ver no seu olhar desalentado uma centelha da esperança e do amor que, outrora, certamente, sentiu. Pois só quem nutriu sentimentos assim pode falar o que ele falou.
3 comentários:
bonito, romulo.
Acho que ele deve estar trancado num quarto, não numa biblioteca...
... “- ¿ Y hasta cúando cree usted que podemos seguir en este ir e venir del carajo? - le preguntó. ... Toda la vida - dijo.
Vamos buscá-lo ?
Registro: a realidade venceu a literatura. Mas isso só significa que a literatura não esteve à altura de si mesma.
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