segunda-feira, 22 de março de 2010

As intermitências da mídia

Parte II

Assim que acordaram, dividiram-se entre os aparelhos da casa: rádio, televisão, celulares, internet. Como na véspera, nada funcionou. O intercomunicador estava mudo, como o telefone fixo. O jornal não estava no capacho. Tomaram café da manhã quase sem se falarem. Não estavam aborrecidos, mas criando expectativas silenciosas sobre o mundo lá fora. Despediram-se no estacionamento do prédio com um beijo rápido. Cada um entrou no seu carro e rumaram para seus trabalhos. Ele, professor, chegou ao colégio em que lecionava antes de todos os alunos e demais professores. Cumprimentou o vigia do prédio e contou o que se passava. O mesmo acontece comigo, professor, lá em casa nada funciona. O zelador apareceu e disse que sua situação era a mesma. À medida que os alunos chegavam, o vento de normalidade, por um instante, pareceu soprar novamente. Mas se o burburinho era o de sempre, o assunto não. Todos falavam sobre a mesma coisa. Passou-se um bom tempo até que a turma fizesse silêncio e ouvisse do professor que ele também não sabia explicar o que estava acontecendo em toda a cidade.

Ela, enfermeira, chegou ao hospital atrasada. O trânsito parecia pior que o de costume. Na recepção, funcionários, pacientes e acompanhantes comentavam a mesma coisa: o que já havia sido apelidado de mal silente. Ironicamente, o tom de muitos comentários era reprovatório com relação à ausência de notícias sobre caso. E as primeiras consequências já se faziam perceber. As crianças da ala pediátrica reclamavam que as televisões dos quartos não funcionavam. A enfermeira e as colegas passaram boa parte do dia entretendo-os com jogos e histórias. Depois do trabalho, o casal se encontrou no apartamento. Tentaram fazer funcionar a televisão e o telefone, mas nem chegaram a ligar o rádio novamente. Tudo continuava fora do ar. Pouco depois de jantarem, alguém bateu à porta. Era o filho do síndico do prédio, convocando todos para uma reunião extraordinária. Eles, que jamais haviam participado de qualquer reunião de condôminos, resolveram que, desta, não poderiam se ausentar. Nunca uma reunião contara com a participação de representantes de todos os apartamentos.

Em meio ao falatório, o síndico pediu a palavra e relatou o que vinha acontecendo no seu apartamento. Os moradores recomeçaram a falar, todos aos mesmo tempo, afirmando que o mesmo se passava em suas casas. O morador do segundo andar reclamou da ausência de informações por parte das autoridades municipais. A viúva, moradora do terceiro andar, objetou sem paciência que, como nenhum meio de comunicação funcionava, não havia como as autoridades se pronunciarem sobre o caso. O morador do sexto andar sugeriu que formassem uma comissão para ir até a prefeitura e descobrir o que estava acontecendo. A enfermeira sugeriu que a missão fosse enviada a alguma emissora de televisão ou de rádio, pois lá saberiam dar detalhes técnicos sobre o assunto. Decidiram que se dividiriam em duas equipes para averiguar o caso no dia seguinte. O professor e a enfermeira se encarregaram de passar na sede da emissora de televisão que ficava próxima ao hospital onde ela trabalhava. O síndico e o morador do sexto andar iriam à prefeitura. No fim do dia, todos se encontrariam no mesmo horário para dividir as informações. Dispersaram-se. Se isso continuar, vamos ficar todos loucos, alguém comentou ao sair do elevador.

No dia seguinte, por força do hábito, a enfermeira apertou o botão do controle remoto da televisão. Guerra de mosquitos, disse consigo mesma. Tomaram café rapidamente. Entraram no carro dele e seguiram para a emissora de TV. Ao chegar, um grupo de pessoas já se concentrava na porta do edifício. Alguns traziam cartazes e organizavam palavras de ordem. Quando se aproximaram, entenderam que se tratava de um protesto contra a situação. Alguns culpavam a própria emissora pela negligência, pela descontinuidade dos serviços. Alguns manifestantes reclamavam de uma suposta greve dos funcionários dos meios de comunicação, o que seria inaceitável para eles, mas ninguém sabia ao certo o que se passava. A manifestação parecia esperar alguma cobertura jornalística, mas, dada a situação, não havia nenhuma equipe da imprensa cobrindo o incidente. O professor conversou com o segurança que cuidava da entrada. O acesso era controlado e apenas pessoal autorizado podia entrar no prédio. Diante da falta de informações e da confusão instalada, decidiram que o melhor era tentar obter informações por outro meio. Voltando para o carro, o professor avistou um rosto conhecido. Era um amigo dos tempos de infância que estacionara ao lado. O professor logo perguntou o que o outro fazia por ali e o amigo respondeu que estava indo ao trabalho. Claro, você é jornalista, como pude esquecer?! A coincidência era quase milagrosa, por isso não pôde evitar a pergunta. O que está acontecendo? O colega respirou fundo e disse que ninguém sabia explicar a situação. Todas as equipes de TV, rádio e dos jornais impressos estavam a postos como sempre, mas as máquinas simplesmente não respondiam. Nada que registrasse ou transmitisse som, imagem ou textos funcionava. Era um mistério. Em outros jornais, os colegas relatavam o mesmo. Os técnicos trabalhavam dia e noite para tentar resolver o problema, mas não conseguiam sequer saber qual era o problema, pois tudo parecia em perfeita ordem. Não se sabia a amplitude do apagão. Não conseguiam contato com outras cidades nem com outros países. Nem sei por que vim aqui hoje. Muitos colegas decidiram que ficariam em casa até tudo voltar ao normal. A verdade é que não tenho o que fazer no trabalho. Despediram-se marcando um encontro, mas não tinham o endereço um do outro e, sem telefone, não poderiam se falar para marcar uma data.

O professor deixou a esposa no hospital e foi para a escola. Disse que passaria no fim do dia para buscá-la. Há muitos anos não iam juntos para o trabalho. Na hora marcada, pois graças a deus os relógios ainda não pararam, pensou, ele a encontrou na porta do prédio. No caminho de volta, o primeiro assunto que surgiu, claro, foi sobre o mal silente. Porém, sem novidades sobre o caso, passaram a falar do trabalho, da casa e de outras coisas. Bateram à porta. Ao abrir, deu com o síndico. Fui à sede da prefeitura e depois de falar com muitas pessoas diferentes cheguei à conclusão que ninguém sabe o que se passa. Estão todos malucos porque os telefones não funcionam e não conseguem se comunicar com o presidente, com o governador nem com outras prefeituras. Mandaram um mensageiro, aliás, vários mensageiros, para diferentes lugares em busca de ajuda. Mas antes que os primeiros retornassem, outros de outras cidades próximas já vinham dar conta do que acontecia. Em todos os lugares de onde se tinha notícia, notícia alguma circulava.

domingo, 21 de março de 2010

Conversa de bar

- Amigo, me vê uma cerveja, por favor.
- Vai querer alguma coisa pra acompanhar?
- Não sei... tem metafísica?
- Não, metafísica tem não senhor.
- Então me vê uma cerveja sem metafísica, por favor.