sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ensaio sobre um amor perdido

A noite já pesava em madrugada e ele estava rodeado pelo silêncio. Há dias não ouvia a voz de qualquer outra pessoa e acabara de perceber que nem a própria voz lhe era familiar. Ensaiou um ruído qualquer a fim dissipar o terror súbito de que poderia ter emudecido. Suspirou aliviado. Não fora dessa vez que o "mal silente" o acometera. Sentiu-se ridículo e um sorriso traidor lhe escapou. Pensou que aquele sorriso era o primeiro após muito tempo. Não pôde fugir do redemoinho de pensamentos que, como uma tempestade, embaralhava sua cabeça. Apenas pensou que ainda poderia ser feliz. Mas como ser feliz ante tão profundo desconsolo? Essa resposta ele ainda não tinha, como não tinha explicação para o que causara todo esse mal. Sentia-se num transe permanente, fora da realidade, e tudo pairava em suspenso frente à profunda tormenta que enfrentava em seu interior. Não dormia bem, comia pouco e contava segundo após segundo a passagem do tempo, na esperança de chegar a hora... Não sabia bem por qual hora esperava. Apenas esperava um trem que parecia não chegar nunca. E com esse trem viria a felicidade da vida normal. Mas o trem não veio e a noite, o turbilhão de pensamentos e o cansaço o venceram. Dormiu. Sonhou que tinha perdido o grande amor da sua vida. Sonhou que nunca mais veria os olhos doces da pessoa que mais amara, nunca mais sentiria o hálito macio em seus lábios, o carinhoso toque de pele, o aconchego de um abraço. Filhos correndo na praia, viagens em família, grandes prataleiras com fotos e livros, nada disso existia. Um pedido de casamento diante da família, um comunicado de que seria pai, uma cama onde dormiriam todas as noites, tudo era evanecente e escapava antes que ele pudesse tocar. No final, não sobrava nada e ele só vagueava por esquinas vazias e sem sentido, em que de um lado era noite e, do outro, dia. Não sabia qual dos dois escolher, se a dor do sol penetrando em suas pálpebras ou a dor silenciosa das sombras que o devorava por dentro. Por um instante, acordou. Percebeu que a realidade era mais dolorosa e se rendeu ao pesadelo, voltando a dormir.

Mais tarde, desperto, lembrou de uma teoria que tinha sobre as "mil palavras". O nome era uma alusão à idéia de que sempre seria possível convencer alguém escolhendo as palavras certas e encadeado-as da melhor forma. Menos sofista que platônico, acreditava que a verdade se faria transparente e o entendimento e concordância seria possível entre quaisquer dois seres pensantes, desde que fossem honestos e agissem de boa vontade. Pensou que podia reverter tudo com um grande discurso, falado ou escrito, mas logo percebeu que honestidade e boa vontade são conceitos relativos e que sua estratégia tinha tudo para fracassar. Pensou que poderia esperar e deixar o tempo fazer seu trabalho, convencer a consciência de que aquilo tudo estava fora de lugar. Mas a consciência fora justamente o fator inicial desse estado. Viu-se completamente impotente. Fazer nada era deixar a solidão se instalar a ponto de esquecer que jamais fora diferente. Fazer qualquer coisa seria brusco e, de antemão, fracassado. Mas ele deveria estar em algum lugar, não poderia permanecer eternamente naquele estágio de nullité grave. Que fazer? Decidiu que o amor precisava de um tempo. Teria que viver sem qualquer resquício de amor, pois qualquer coisa que se assemelhasse a isso o traria de imediato toda a desesperança da qual tentava se livrar. Mas seria possível viver sem amor? Mover-se de um lugar ao outro, esperar ônibus, assistir à televisão, falar com as pessoas, enfim, existir sem estar guiado por sentimentos de amor? Tinha certeza que não, mas não havia outro remédio senão tentar. Perdera seu amor e, junto com ele, como única forma de sobreviver, deveria perder o amor em todas as suas formas. Aonde isso o levaria não pôde concluir. Só queria que o levasse para longe. Longe o bastante para que o amor em geral deixasse de se confundir com o seu amor e a vida pudesse voltar a fazer algum sentido. Quis tornar-se um estrela fria, mas não podia deixar de ser feito de carne, ossos e músculos. Enquanto pensava isso voltou a dormir. E dia após dia, sempre ao acordar ou prestes a adormecer, perguntava-se o que seria melhor: sofrer dormindo ou acordado. Essa e todas as outras perguntas continuavam sem respostas. E o amor também.

12-5-2009

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