"Hemos guardado un silencio bastante parecido a la estupidez."Proclamação da Junta Tuitiva de los Derechos del Pueblo, 1809, Bolívia
Vi praças e praças. As que mais ficam na minha cabeça são as que vi na Bolívia. Todas limpas, convidativas, boas para não se fazer nada em meio a uma viagem cheia de atrações. Lembro que era sempre cedo demais para deixá-las. Havia um clima de paz que pairava sobre elas. As cidades reservavam-nas da bagunça, do urbanismo que a quase tudo enfeia. Não percebi barreiras. Vi gentes de paletó, estudantes, crianças, gentes pobres. Havia engraxates que usavam umas máscaras esquisitas e sorveiteiros que vendiam un helado por 1 peso boliviano, mas não havia a profusão de vendedores ambulantes que ocupam as nossas praças por aqui. As praças pareciam tacitamente reservadas para o encontro público. Para o abraço entre velhos amigos e para monumentos à libertação colonial. As praças tinham um significado. A mais bonita que vi foi a Plaza Pedro D. Murillo, ou, como gosto de chamar, "Las puertas de Evo." É a praça mais importante de La Paz, onde fica sediado o palácio presidencial e o parlamento, um ao lado do outro. As gentes estavam lá, vivendo, às portas de Evo. Um pôr-do-sol inesquecível baixou sobre a praça e, com ele, o sentimento de que o tempo se move sempre contra nós.
Pensei, ao sentir tudo isso, que aquelas praças eram um sinal do que havia sido. Imagino que, no Brasil, as praças das cidades importantes já foram assim. Mas a modernidade e o urbanismo de interesses transformaram-nas no que temos hoje. Entendi a Bolívia, nesse aspecto, como um retrato do passado. Como algo que ainda não foi deturpado. Pois só assim consigo explicar por que o país mais pobre da América Latina dispõe de lugares públicos como esses em suas grandes cidades.
Hoje, vi a tristeza do nosso tempo no chafariz desligado que se impõe na praça São Salvador, um dos lugares mais agradáveis da Zona Sul do Rio. Vi o mesmo retrato do passado posto no presente tão desumano em que vivemos. A tristeza não é pela praça, pelo contrário, é pelo que está em volta dela. Um mundo como esse dificilmente permitirá que a extremamente aprazível praça São Salvador sobreviva com a autenticidade pacata que ainda conserva. Um mundo como o nosso não nos convida às praças, ao encontro, ao senhor que come uvas enquanto crianças pulam na cama elástica. Claro, não é a praça que está fora de lugar, mas o mundo que a cerca. A tristeza é um sinal de que precisamos de mais motivos para sorrir.
Um comentário:
Romulo,estou tomado de alegria e de muito orgulho. Li tudo o que vc escreveu no mês de abril, pois seu pai-amigomaior chamou-me a atençao para o artigo sobre a Ilha. Tudo me emocionou, pois li tudo o que vc escreveu. Tudo me deixou feliz por vc. E orgulhoso de ver aquele Romulo-criança de alguns poucos anos atrás, e o Romulo de ConversasOutras. Na verdade, nós é que não víamos o Rômulo naquela criança de outrora. Um forte abraço, Pedro.
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