terça-feira, 6 de abril de 2010

Ética, estética e engenharia urbana


Lukács, por razões que fogem ao objetivo dessa breve postagem, considera em seu tratado inacabado sobre estética que a Arquitetura, ao contrário das demais formas de manifestação artística, apenas regrediu com a emergência do modo de produção capitalista. Para o autor, essa arte não experimentou nenhum avanço significativo desde a consolidação da sociedade industrial, sendo consumida e diminuída diante dos imperativos sociais próprios da modernidade. O que me faz recordar os elementos da filosofia lukacsiana não é somente a questão estética, mas a constatação de que outros importantes campos da atividade humana aparentemente também padecem do mesmo mal apontado pelo autor. A engenharia urbana (intimamente relacionada às preocupações de Lukács sobre a Arquitetura) é uma das práticas que parece apenas piorar com o avanço daquilo que chamam Progresso, pelo menos do lado de cá dos trópicos. O homem constrói cidades há pelo menos cinco mil anos, mas até hoje não conseguiram fazer um sistema de drenagem eficiente para as cidades brasileiras. Por aqui, chuva forte é sempre sinônimo de caos.

Ao longo da história, diversas sociedades demonstraram métodos de lidar com as intempéries. Será que a Roma Antiga sofreria tão recorrentemente com enchentes causadas por chuvas? Machu Picchu, no topo das montanhas, é um exemplo que resiste ao tempo e ao clima de uma das regiões mais chuvosas do continente americano. O homem já foi à lua e é capaz de edificar os maiores arranha-céus que a imaginação concebe, cavando fundações que parecem se aproximar do centro da terra. Por outro lado, não se preocupa em construir galerias e sistemas de esgoto compatíveis com a voracidade imobiliária das nossas grandes cidades. Na verdade, o problema não está na evolução das técnicas de engenharia urbana, mas naquilo que é definido como prioridade e como modelo de expansão urbana. O dever ser projetado para as cidades de países como o nosso quase sempre exclui das considerações as obras de infraestrutura necessárias a tornar o espaço mais humano e realmente em consonância com as necessidades de seus habitantes. O que importa não são propriamente as condições de vida, mas a necessidade de adequar a arquitetura social às necessidades de expansão desenfreada do lucro. A questão envolve diferentes aspectos, mas reside sobre o pano de fundo histórico das relações entre ética e capitalismo, entre pensar em si e pensar em nós.

PS: A única drenagem eficiente de que tive notícia durante as enchentes no Rio de Janeiro foi a do estádio do Maracanã. Parece piada.

PPS: Quando penso no viaduto do Minhocão, em São Paulo, ou na extinção dos sobrados que outrora abundavam no Rio Antigo, tenho certeza de que Lukács tinha razão.

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