"Na segunda metade do século, o melhor açúcar do mundo brotava do solo esponjoso das planuras da costa do Haiti, um colônia francesa que nessa época se chamava Saint Domingue. Ao norte e a oeste, Haiti converteu-se em sorvedouro de escravos: o açúcar exigia cada vez mais braços. Em 1786, chegaram à colônia 27 mil escravos, e no ano seguinte 40 mil. No outono de 1791, explodiu a revolução. Num só mês, setembro, duzentas plantações de cana foram tomadas pelas chamas; os incêndios e os combates sucederam-se sem trégua à medida que os escravos insurretos iam empurrando os exércitos franceses até o oceano. Os barcos zarparam carregando cada vez mais franceses e cada vez menos açúcar. A guerra derramou rios de sangue e devastou as plantações. Foi longa. O país, em cinzas, ficou paralisado; em fins do século a produção caiu verticalmente. “Em novembro de 1803 quase toda a colônia antigamente florescente, era um grande cemitério de cinzas e escombros”, diz Lepkowski. A revolução haitiana tinha coincidido, e não só no tempo, com a revolução francesa, e Haiti sofreu também, na própria carne, o bloqueio contra a França da coalizão internacional: a Inglaterra dominava os mares. Porém logo sofreu, à medida que sua independência ia-se fazendo inevitável, o bloqueio da França. Cedendo à pressão francesa, o Congresso dos Estados Unidos proibiu o comércio com Haiti, em 1806. Logo em 1825, a França reconheceu a independência de sua antiga colônia, mas em troca de uma gigantesca indenização em dinheiro. Em 1802, pouco depois de Toussaint-Louverture caudilho dos exércitos escravos ser preso, o general Leclerc escreveu a seu cunhado Napoleão: “Eis minha opinião sobre o país: há que suprimir todos os negros das montanhas, homens e mulheres, conservando-se somente as crianças menores de doze anos, exterminar a metade dos negros nas planícies e não deixar na colônia nem um só negro que use jarreteiras". O trópico vingou-se de Leclerc, pois morreu “agarrado pelo vômito negro” apesar das esconjurações mágicas de Paulina Bonapart sem poder cumprir seu plano, porém a indenização em dinheiro tornou-se uma pedra esmagadora sobre as cosas dos haitianos independentes que haviam sobrevivido aos banhos de sangue das sucessivas expedições militares enviadas contra eles. O país nasceu em ruínas e não se recuperou jamais: hoje é o mais pobre da América Latina."
As veias abertas, Eduardo Galeano.
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